2009
O que você diria se soubesse que existe em Rosario, na Argentina, um culto ao “deus”… Diego Armando Maradona? Que deve ser coisa de uma dúzia de sujeitos que não têm mais o que fazer? Que eles são loucos? Que “tinha que ser” coisa de argentino? Que esses caras não entendem nada de futebol?
Pois é, amigo(a) internauta. Não é nada disso. Não são apenas 12 pessoas que não “têm mais o que fazer”… São cerca de 25 mil pessoas, que aproveitam seu tempo e seu culto – batizado Igreja Maradoniana – para ajudar o Hospital Infantil de Rosario, que atende crianças com câncer. Tampouco é “coisa de argentino”: dos 25 mil maradonianos, cerca de 15 mil são de fora da Argentina – e eles estão espalhados em aproximadamente 50 países.
Quanto a entender de futebol… Bom, digamos que eles são incisivos em suas crenças. Em entrevista ao poliglota editor do UOL Tablóide, o fundador da Igreja Maradoniana, Hernan Amez, comentou a velha rivalidade entre Maradona e… Pelé. “Pelé? O rei do futebol. Não há dúvida. Para todo mundo, inclusive para ele mesmo, que se autoproclamou, ele foi o rei do futebol. E Maradona é Deus. Isso também não se discute.”
Veja a entrevista que a UOL fez com Hernan Amez, fundador da igreja clicando em Mais.
Editor do UOL Tablóide – O sr. é o fundador da Igreja Maradoniana?
Hernan Amez – Sim…
Editor do UOL Tablóide – Então, o sr. é o papa da sua religião!
Amez – Não! Esta religião não tem relação com as outras. Essa não é a idéia. Sou apenas mais um fiel da igreja maradoniana.
Editor do UOL Tablóide – E há brasileiros entre os maradonianos?
Amez – Sim! Não são a maioria, mas existem brasileiros!
Editor do UOL Tablóide – Então são traidores, pois deveriam ser “pelezianos”, e não maradonianos!
Editor do UOL Tablóide – Quando vocês querem falar com Deus, rezam ou pegam o telefone e ligam para o Diego? Qual é o contato de vocês com “deus”?
Amez – Nós não O incomodamos. Temos uma chance que as outras religiões não têm. Vemos Deus na televisão, temos os seus vídeos, escutamos suas entrevistas nas rádios. Poderíamos marcar uma reunião, ter uma conversa com Ele, mas ainda não o fizemos. Nós fazemos o que fazemos pelo Maradona, mas sem nos intrometermos em sua vida.
Editor do UOL Tablóide – Como foi seu primeiro contato com Diego?
Amez – A primeira vez que eu O vi foi aqui em Rosario, onde estou. Fiquei poucos minutos com Ele e conversamos sobre futebol, mas não foi uma conversa particular – tinha muita gente. Para mim, foi algo inesquecível. Mas não para Ele, pois sou só um a mais entre todos os seus fãs. Mas guardo boas lembranças deste momento, de tê-lo visto, de ter lhe dado um beijo. Foi muito importante para mim e para minha família, pois é uma lembrança de alguém que fez muito pelo meu país.
Editor do UOL Tablóide – Por que o brasileiro João Havelange (ex-presidente da Fifa) é o “diabo” para a Igreja Maradoniana?
Amez – Porque ele sempre teve confrontação com Maradona. Para nós é muito rancorosa uma disputa entre dois sul-americanos, como Maradona e Havelange.
Editor do UOL Tablóide – Se Havelange é o “diabo”, quem são Batista e Burrochaga (colegas de Maradona na conquista da Copa do Mundo de 1986)? Eles são santos?
Amez – Eles são apóstolos, porque estavam com Maradona no momento da realização do milagre.
Editor do UOL Tablóide – E eles são maradonianos também? Pertencem à igreja?
Amez – Sim, sim! Eles têm fichas de inscrição e tudo mais. Eles já participaram de uma missa conosco, e nós lhes agradecemos muito! Eles entendem e se identificam com o princípio da nossa igreja, que é uma homenagem ao futebol, que é um esporte muito vinculado às emoções. E eles pertencem a momentos de muita alegria para o povo argentino.
Veja o caso do Brasil com a Argentina, por exemplo. Por mais que estejamos um do lado do outro – e o Brasil me encanta, há 15 anos passo minhas férias no Brasil -, para mim toda disputa com o Brasil no futebol é de uma rivalidade excepcional, como para qualquer brasileiro ou argentino.
A alegria que o Maradona nos deu quando derrotamos o Brasil, na Copa do Mundo de 1990, por mais que não queiramos uma confrontação bélica com os brasileiros… Nós, tanto argentinos como brasileiros, somos povos pacíficos, e o confronto que há entre nós existe apenas nos esportes.
Editor do UOL Tablóide – O Maradonianismo é uma religião e, como tal, tem pecados. Qual é o mais grave pecado que um maradoniano pode cometer?
Amez – Não amar o futebol.
Editor do UOL Tablóide – E existe alguma maneira de um maradoniano ser “excomungado”?
Amez – Nunca aconteceu. Mas temos algumas figuras emblemáticas como o Havelange e Blatter (o suíço Joseph Blatter, presidente da Fifa), que estão fora. Qualquer um pode se filiar. Até o Pelé.
Editor do UOL Tablóide – Para os maradonianos, quem é Pelé?
Editor do UOL Tablóide – Sua igreja também cobra dízimo de 10% todos os meses?
Amez – Não, e essa é a única diferença. Cada religião tem a sua forma de arrecadar dinheiro – passando a cesta de ofertas, ou cobrando o dízimo. Nós não cobramos nada. Maradona sempre disse que jamais entendia quem ia ao Vaticano, onde há tetos de ouro, enquanto crianças morrem de fome aqui na América Latina.
Nossa igreja colabora com o Hospital Infantil de Rosario, doamos, quando podemos, refeições para 600 crianças que passam por tratamentos contra o câncer.
Editor do UOL Tablóide – E de onde vocês tiram dinheiro para essas doações?
Amez – Dos nossos patrocinadores. Colocamos publicidade nas nossas camisetas e os patrocinadores compram os produtos que são doados.
Editor do UOL Tablóide – Com essa idéia de chamar Diego de “deus”, vocês não têm medo de ir para o inferno? Afinal, as igrejas cristãs condenam aqueles que idolatram um outro deus.
Amez – Não, porque esta é uma igreja esportiva, e não há nada anterior ou similar a ela. O que acontece é que estamos crescendo tanto que estamos indo para outro plano. E teologicamente eu não estou preparado para discutir isso.
Editor do UOL Tablóide – O sr. tem uma religião?
Amez – Sim.
Editor do UOL Tablóide – Qual?
Amez – A maradoniana.
Editor do UOL Tablóide – E nenhuma outra?
Amez – Na verdade, não. Não há proibição alguma de que nossos seguidores tenham outra religião. Eu já fui católico. A maioria de nós, argentinos, somos batizados católicos, mas a verdade é que não a seguimos. Por exemplo: aqui em Rosario, aos domingos, a missa reúne cerca de 5 mil pessoas. Já uma partida de futebol reúne 30 mil. A partir daí sabemos em que as pessoas acreditam mais.
Editor do UOL Tablóide – Se Maradona é Deus, por que a Argentina não foi campeã do mundo em 1982, 1990 e 1994?
Amez – Porque o milagre aconteceu em 1979 e 1986. (O editor do UOL Tablóide explica: a Argentina foi campeã mundial sub-20 em 1979 e conquistou a Copa do Mundo de 1986.)
Editor do UOL Tablóide – Sim, mas “deus” não poderia ter assegurado a vitória em 1990, contra a Alemanha? (A Argentina foi vice-campeão, sendo derrotada na final pelos germânicos por 1 a 0.)
Amez – Nosso Deus mostrou que não é perfeito. Essa é mais uma qualidade que admiramos nele. Ele fez o que pôde. Pedir tudo a Ele seria exagero.
Editor do UOL Tablóide – E como é o ritual de casamento na Igreja Maradoniana?
Amez – Durante o casamento, os noivos prometem respeitar os Dez Mandamentos da Igreja Maradoniana (a “tábua de leis” deles, que inclui regras como amar o futebol acima de todas as coisas e incorporar o nome Diego no seu próprio e no de seus filhos) e juram amor eterno à bola. Fizemos dois casamentos, que fazemos em nossas reuniões, apesar dos inúmeros pedidos, ainda não tivemos chance. Somos uma religião jovem. Temos apenas quatro anos de existência, e estamos crescendo vertiginosamente.
Editor do UOL Tablóide – Quando foi o momento de iluminação? Quando percebeu que Diego era “deus”?
Amez – Quando, em 1998, me encontrei com um amigo no dia do aniversário de Diego. E eu lhe disse “Feliz Natal”. E ele: “Você tem razão, feliz Natal!”. E expressamos um sentimento de crença de Maradona, e ficamos na rua, emocionados, falando de Maradona por mais de duas horas. Nesse momento percebemos como Diego era especial.
Para nós que trabalhamos todos os dias, que temos uma vida sacrificada, nós sabemos que os momentos de alegria são poucos. Maradona nos deu muitos sorrisos. Ele nos deu muito e não nos pediu nada em troca. E a satisfação de termos visto seus milagres, e da alegria que Ele deu ao nosso povo, e que é compartilhada por pessoas de todo o mundo.
Ele, quando jogava, jogava com a habilidade, e a atitude. Isso é um reflexo e uma definição de nosso povo. Precisaríamos de muitos Maradonas hoje em dia, de muitos com a atitude dele, para sairmos de onde estamos.
Editor do UOL Tablóide – Acredita que haverá algum outro jogador tão bom quanto Diego?
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